"Algumas mudanças na nova PNAB foram importantes no sentido de aprofundar os conceitos fundamentais que regem a Atenção Básica, porém alguns pontos da nova publicação abrem precedentes para que a economia do município sobressaia à qualidade da assistência e estruturação da Atenção Básica, criando um cenário que necessita cada vez mais de qualificação técnica da gestão e de apropriação dos profissionais e da população acerca do que a Política impacta na assistência para que a busca por melhorias seja constante e ocupe espaço na agenda política local e nacional."
Em 2006, a Portaria nº648/2006 formulou a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), e em 2011, a Portaria nº2488/2011 publicou a sua primeira revisão, reunindo as suas diretrizes, as atribuições profissionais, o papel de cada esfera do governo e o financiamento, além do detalhamento do papel da Atenção Básica na organização do SUS, sendo ordenadora e coordenadora do cuidado. Porém, em 2016, foi proposta uma nova revisão da mesma, trazendo conflitos e opiniões divergentes, sendo publicada a Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. É fundamental reconhecer que tais mudanças têm motivações para além da organização do sistema, envolvendo embates políticos e econômicos, sendo possível e necessário realizar uma análise crítica a respeito do caminho percorrido até a publicação da nova PNAB em 2017.
Neste contexto, cabe destacar que em 2016, no Brasil, as ESF representavam mais de 40 mil equipes, ampliando o acesso às ações e serviços de saúde e logo, melhorando indicadores de saúde da população, como redução de mortalidade infantil, redução de internações por causas sensíveis à Atenção Básica e aumento de cobertura assistencial na Atenção Básica.
A revisão da PNAB e sua publicação em 2017 trouxeram divergências na visão de diversos atores importantes no contexto de consolidação do SUS e da Atenção Básica. Em um contexto brasileiro, onde as despesas de saúde com recursos próprios dos municípios crescem gradativamente a cada ano, sendo em média mais de 20% de investimento com recursos próprios em saúde, além do fato dos repasses do governo federal não representarem nem 15% da necessidade dos municípios, somado à Emenda Constitucional nº95 que congela os gastos em saúde do Governo Federal pelos próximos 20 anos, representando perda superior a R$ 743 bilhões, a revisão da PNAB com abertura para implantação de equipes com um número mínimo de ACS/equipe, passando de 04 para 01 ACS/equipe abre precedentes para que a Gestão Municipal, que já sofre o subfinanciamento com previsão de piora, adote critérios de vulnerabilidade para implantação de equipes com apenas 01 ACS em detrimento da ampliação do acesso e da qualidade da assistência.
Outro ponto crítico encontrado nas análises realizadas até o momento da publicação de 2017, é a integração de ações do ACS, assumindo atividades de enfermagem e do Agente de Combate de Endemias, ou até mesmo possibilitando sua substituição na equipe, desconsiderando a importância da educação e promoção da saúde, eixos centrais do trabalho do ACS e na sua integração com a equipe.
A abertura de novas configurações de equipes no cenário da Atenção Básica também é preocupante, à medida que relativizam a consolidação do acesso, da cobertura e da resolutividade, com a possibilidade de financiamento para equipes de Atenção Básica sem o ACS, abrindo mão das realidades locais que tanto contribuem para a oferta de assistência integral e de qualidade.
As mudanças na PNAB não podem ser vistas como meras imposições, porém abrem margem para que os municípios decidam como configurar as equipes de ESF e Atenção Básica como um todo. Considerando que a dificuldade financeira na administração pública é uma realidade em nosso país, é possível que tais mudanças favoreçam a economia em detrimento da qualidade da assistência na Atenção Básica, que é o ponto de atenção que deve estar pautado no cuidado.
Qual é o nosso papel, enquanto trabalhadores e gestores de saúde, na defesa e no fortalecimento da Atenção Básica?
Autoria: Aline Fiori dos Santos Feltrin e Liliane Cristina Nakata (adaptado do artigo publicado na Revista CuidArte).
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